sábado, 19 de março de 2011

Pérolas II

Espanhóis têm horários esotéricos de funcionamento de empresas em geral.

A) Chego às 10h da manhã, terça-feira, cheia de dor no estômago, farmácia em frente de casa. Vou até a porta de vidro, papel colado. Horário de abertura: 12h-19h. A dor não melhorou, mas eu passei a ser a criatura mais agradecida desse mundo por ter um hotel na minha rua com uma cafeteria onde servem um ótimo café con leche.

B) Acabo de deixar o marido no aeroporto, domingo, 12h30, decido ir ao shopping resolver coisas e almoçar. Procuro no gps o shopping mais próximo, marco e vou pra lá. O estacionamento onde o gps me deixa está fechado, dou a volta para encontrar outra entrada, pelo caminho, observo que as portas de pedestres estão estranhamente fechadas. Próxima entrada de carros: fechada com grades. Desisto e volto para casa. No elevador, o meu vizinho de porta, sorridente, pergunta como estamos nos adaptando, eu digo que tenho alguma dificuldade para entender a lógica de abertura das tiendas. Ele ri e diz, "não há lógica", eu conto o caso das portas fechadas, reacção: "os shoppings não abrem aos domingos, exceto no primeiro de cada mes e em festivos"... ainda preciso de um manual para entender exatamente o que eles querem dizer com festivos.

C) Sábado de tarde, eu podia jurar que tinha visto uma peluqueria perto de casa. Fui até lá, nada, fechada. Volto no conserje, que é o porteiro, e pergunto se há alguma por perto. Ele me olha como se eu fosse um alien. Es sabado hoy, las peluquerias no funcionan, al mejor, sólo hasta medio día. Además, aqui, las cosas funcionan lunes a viernes, y viernes hasta la una. A esta hora, eram 14h então, están todos en el coche.

Bem, difícil descrever a minha cara de parva, até porque eu não me via.

Por outro lado, eles parecem estar sempre injetados de disposição (será pelas tapas e pelo vinho?), pois nunca se mostram entediados ou sem vontade de falar com você como os portugueses. Há sempre dois beijinhos ao cumprimentar, tratam todo mundo por tu (o que já te inclui no âmbito familiar), sempre querem saber se você está mesmo se adaptando, reparam que cortou o cabelo e interrompem uma sessão de esteira para te explicar como funciona o ginásio.

Alguém consegue encontrar similaridades com os seus vizinhos lisboetas? Não? Normal, não há mesmo! Ok, antes que cassem o meu passaporte, refiro-me aos vizinhos, não tenho nenhuma lembrança agradável dos meus vizinhos em Lisboa, ainda assim, foi com um aperto no coração que eu deixei aquela cidade deliciosa. E as pessoas que me atendiam, na farmácia, no mercado, na florista, na clínica e no banco perto de casa, têm um lugar muito afável nas minhas lembranças afetivas da cidade.

Mas vamos à vida que hoje é sábado, tem a super lua na janela, e eu aqui nesta cidade sem mar e sem rio... não há tapas que consigam aplacar o efeito de uma coisa dessas.

O rio, o sol e os sentidos







Acho que dá para entender a razão de não haver compensação possível para a falta que isso faz.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Pérolas... ou diria perlas? I

Hoje eu não estou feliz, há muita coisa triste acontecendo, em variadas latitudes e ando destilando fúteis preocupações para não pensar muito no futuro. Assim, aturem estas pérolas fresquinhas, recém tiradas da concha (?) espanhola...

Espanhóis fazem imenso barulho, por tudo e por nada, a maior parte das vezes, por nada.

A)É assim, ouve-se um falatório na calçada, vai-se à janela, há um espanhol jovem, empurrando um carrinho de compras, gesticulando e falando, aparentemente dirigindo-se a alguém que está à frente dele e não podemos ver. Atrás dele, surgem uma mulher jovem e uma criança, também falando, desta vez para o homem jovem. Finalmente, abre-se a "câmara", vem um cãozinho vira-latas subindo a rua na diagonal e arrastando uma trela vermelha. Adivinhem com quem o homem falava em alto e bom som com coro da mulher e do filho... esta última, vem logo atrás e apanha a trela do animal sorrindo. O que ele dizia? Não faço idéia, mas gesticulava e articulava com muito entusiasmo.

B) No mercado, uma família cheia de dúvidas sobre onde encontrar algo... como eles falam muito e sempre alto, claro que eu prestei atenção, além de mim, também, um homem alto e forte que se dirige à senhora, mesmo sem ter sido interpelado, e indica com precisão onde ela pode encontrar o tal produto. Caramba, eu quase caí pro lado, era empregado do mercado. Em Portugal, nem quando a gente pergunta eles explicam... em geral não sabem.

C) Dois funcionários do mercado (ok, podem dizer, a minha actividade de socialização favorita são os mercados!.. nem sempre foi assim, acreditem!), o homem, que parece ser o supervisor, aos berros explicando enfaticamente a uma mulher o que deveria fazer. Acho que ele estava sendo enfático demais, ela responde algo como "de la mierda" também aos berros e sai resmungando ao ser indagada se tinha entendido.


quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Entre dois choques


Estou como ela, a meio caminho de entrar em choque novamente e já com tanta saudade deste último ano e meio de choque cultural. Ela tem sorte, não tem que falar outra língua, mesmo variando a paisagem e a dieta permanece a mesma.

Dizia, porém, uma conhecidíssima gaivota em livro:

O livro de nossa vida influi no destino da comunidade inteira.


Aí sim, o choque cultural terá valido a pena, cada segundo dele. Vamos para o próximo.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Rui Veloso - Loucos de Lisboa



Porque eu me sinto mais um pouco daqui do que jamais me senti deste país. Porque todos nós um dia fomos ou seremos algo de louco e desvairado, algo de solitário e sem pontas por onde se pegar. Porque somos todos suscetíveis a entristecer, a envelhecer e a enlouquecer. E porque não precisamos nem devemos perder a ternura por quem já o fez e o fará um dia destes. Talvez o maior choque cultural seja o outro ser humano, desde sempre.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

De lá e de cá - Big brother? Ou o quê?

Acabo de receber de uma ex-aluna. É do programa de lá, mas serve perfeitamente aos de cá, como a Casa dos Segredos.


Televisão é concessão pública e, como tal, deveria ter respeito por todos; entretanto, não é isto que vemos.

VEJAM ABAIXO A COMPOSIÇÃO DE UM CANTOR DE CORDEL PARA O
PEDRO BIAL... O PAI DOS BIG BROTHERS

APLAUSOS PARA O NOSSO CORDELISTA ANTONIO BARRETO.


(Cordel é uma forma de expressão cultural escrita que nasce de uma tradição oral em que um texto em verso é ritmado e fala de uma questão a ser elogiada ou criticada.


O nome deve-se ao fato de que as pequenas folhas de papel colorido, impressas como xilogravura, ficam penduradas em uma corda fina para "usufruto" dos passantes. A Feira de São Cristovão, no Rio de Janeiro, tem um quiosque todo dedicado ao Cordel que é uma tradição secular do Nordeste brasileiro.)



BIG BROTHER BRASIL

*Antonio Barreto, *
* Cordelista natural de Santa Bárbara-BA,
residente em Salvador. *

*Curtir o Pedro Bial
E sentir tanta alegria
É sinal de que você
O mau-gosto aprecia
Dá valor ao que é banal
É preguiçoso mental
E adora baixaria.*
**
*Há muito tempo não vejo
Um programa tão ‘fuleiro’
Produzido pela Globo
Visando Ibope e dinheiro
Que além de alienar
Vai por certo atrofiar
A mente do brasileiro.*
**
*Me refiro ao brasileiro
Que está em formação
E precisa evoluir
Através da Educação
Mas se torna um refém
Iletrado, ‘zé-ninguém’
Um escravo da ilusão.*
**
*Em frente à televisão
Lá está toda a família
Longe da realidade
Onde a bobagem fervilha
Não sabendo essa gente
Desprovida e inocente
Desta enorme ‘armadilha’.*
**
*Cuidado, Pedro Bial
Chega de esculhambação
Respeite o trabalhador
Dessa sofrida Nação
Deixe de chamar de heróis
Essas girls e esses boys
Que têm cara de bundão.*
**
*O seu pai e a sua mãe,
Querido Pedro Bial,
São verdadeiros heróis
E merecem nosso aval
Pois tiveram que lutar
Pra manter e te educar
Com esforço especial.*
**
*Muitos já se sentem mal
Com seu discurso vazio.
Pessoas inteligentes
Se enchem de calafrio
Porque quando você fala
A sua palavra é bala
A ferir o nosso brio.*
**
*Um país como o Brasil
Carente de educação
Precisa de gente grande
Para dar boa lição
Mas você na rede Globo
Faz esse papel de bobo
Enganando a Nação..*
**
*Respeite, Pedro Bial
Nosso povo brasileiro
Que acorda de madrugada
E trabalha o dia inteiro
Dá muito duro, anda rouco
Paga impostos, ganha pouco:
Povo HERÓI, povo guerreiro.*
**
*Enquanto a sociedade
Neste momento atual
Se preocupa com a crise
Econômica e social
Você precisa entender
Que queremos aprender
Algo sério – não banal.*
**
*Esse programa da Globo
Vem nos mostrar sem engano
Que tudo que ali ocorre
Parece um zoológico humano
Onde impera a esperteza
A malandragem, a baixeza:
Um cenário sub-humano.*
**
*A moral e a inteligência
Não são mais valorizadas.
Os “heróis” protagonizam
Um mundo de palhaçadas
Sem critério e sem ética
Em que vaidade e estética
São muito mais que louvadas.*
**
*Não se vê força poética
Nem projeto educativo.
Um mar de vulgaridade
Já tornou-se imperativo.
O que se vê realmente
É um programa deprimente
Sem nenhum objetivo.*
**
*Talvez haja objetivo
“professor”, Pedro Bial
O que vocês tão querendo
É injetar o banal
Deseducando o Brasil
Nesse Big Brother vil
De lavagem cerebral.*
**
*Isso é um desserviço
Mal exemplo à juventude
Que precisa de esperança
Educação e atitude
Porém a mediocridade
Unida à banalidade
Faz com que ninguém estude.*
**
*É grande o constrangimento
De pessoas confinadas
Num espaço luxuoso
Curtindo todas baladas:
Corpos “belos” na piscina
A gastar adrenalina:
Nesse mar de palhaçadas.*
**
*Se a intenção da Globo
É de nos “emburrecer”
Deixando o povo demente
Refém do seu poder:
Pois saiba que a exceção
(Amantes da educação)
Vai contestar a valer.*
**
*A você, Pedro Bial
Um mercador da ilusão
Junto a poderosa Globo
Que conduz nossa Nação
Eu lhe peço esse favor:
Reflita no seu labor
E escute seu coração.*
**
*E vocês caros irmãos
Que estão nessa cegueira
Não façam mais ligações
Apoiando essa besteira.
Não deem sua grana à Globo
Isso é papel de bobo:
Fujam dessa baboseira.*
**
*E quando chegar ao fim
Desse Big Brother vil
Que em nada contribui
Para o povo varonil
Ninguém vai sentir saudade:
Quem lucra é a sociedade
Do nosso querido Brasil.*
**
*E saiba, caro leitor
Que nós somos os culpados
Porque sai do nosso bolso
Esses milhões desejados
Que são ligações diárias
Bastante desnecessárias
Pra esses desocupados. *
**
*A loja do BBB
Vendendo só porcaria
Enganando muita gente
Que logo se contagia
Com tanta futilidade
Um mar de vulgaridade
Que nunca terá valia.*
**
*Chega de vulgaridade
E apelo sexual.
Não somos só futebol,
baixaria e carnaval.
Queremos Educação
E também evolução
No mundo espiritual.*
**
*Cadê a cidadania
Dos nossos educadores
Dos alunos, dos políticos
Poetas, trabalhadores?
Seremos sempre enganados
e vamos ficar calados
diante de enganadores? *
**
*Barreto termina assim
Alertando ao Bial:
Reveja logo esse equívoco
Reaja à força do mal…
Eleve o seu coração
Tomando uma decisão
Ou então: siga, animal…*

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Primatas culturais

Andava uma família a observar



o conhecido que calmamente escolhia



o prato em que havia de comer aquela tarde.

Intermezzo, interregno, intervalo, inté...

Desculpem-me queridos 5 visitantes, esse tal de blogger activou by itself - e sem minha autorização - a moderação de comentários, e eu descobri hoje que havia comentários para aprovar pendentes desde o mês de abril. Adorei saber que, afinal, tinha 7 comentários, para um blog semi-activo, não é nada mau. Sorry anyway!

I'm back, by the way!

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Durban, África



Escrevo à beira Índico, não seria à "beira mágoa," pois de Pessoa tenho talvez, apenas, a nacionalidade herdada de meus pais. Mas, recordo agora, talvez, neste instante, tenhamos algo mais em comum, já que estou em Durban, mesmo porto de onde ele saiu, devastado, em direção à Lisbon revisited da sua infância. Mesmo porto onde iniciou, talvez, a serie de poemas ingleses, não sei.

O que sei é que África é muito mais que uma palavra de 6 letras, muito mais que um aglomerado de países em quase constante ebulição, mais que muitas, incontáveis tribos e idiomas. África é mais que um continente, África é um mundo especial. Espacial, também, com todos os múltiplos sentidos que o adjetivo possa ter.

Os espaços, aqui, têm uma dimensão incompreensível para europeus ou brasileiros como eu. Vive-se em casas, gradeadas e seguras, admito, mas em casas mais que enormes para os padrões urbanos brasileiros da costa do Atlântico e muito mais que enormes para os padrões ibéricos e mesquinhos das terras de Camões.

Ai, Camões, ele que descreveu o "monstrengo" que do mar surgia ao dobrar o cabo das Tormentas, ele que chegou até a Ásia, ao navegar este mesmo Índico, ele não podia mais caber naquele reduzido espaço envolto por tão reduzidas mentalidades. Agora, entendo o que se possa ter passado com esses dois nascidos naquele cotovelo da Europa.

É que aqui se respiram horizontes e maresia, aqui podemos nos deixar deitar ao chão pelo vento que sopra incessantemente e enche a pele, os cabelos e os óculos de uma pegajosa maresia que se cola até a alma. O vento morno na pele, o vento sussurrante nos ouvidos, a vida mansamente embalada pelo vento morno dos trópicos, sem arrepios, exceto de prazer, sem encolher a alma dentro de lã e couro, expandindo os dedos na calçada sem sapatos, na grama mais que verde, na areia grossa a pinicar a pele.


Sim, estou à beira Índico, diante do mar de Durban, em Umhlanga, que se pronuncia "Mchlanga" em Zulu. Estou no Kuazulu-Natal, terra do presidente Zuma, atual governante do país. E o nome Natal é uma reminiscência de outro lusitano, Vasco da Gama, que aqui atracou, ou melhor, mais ao sul, na baía de Durban, no dia da efeméride cristã e assim batizou o local.